quinta-feira, 3 de março de 2011

ANO 2001






CLIC! Velório “pretinho básico” da Cultura Conquistense

Um ensaio realista da nossa cidade

                     

Vitória da Conquista é a terceira cidade mais importante da Bahia, com suas riquezas e valores culturais, disso todo mundo sabe. Nomes como o de Glauber Rocha, Elomar Figueira, Xangai, Carlos Jeová ecoam representando e lembrando a cultura de Conquista aqui e pelo país a fora, disso também todo mundo sabe. Só não se sabe que cada vez a cultura e a arte conquistenses tornam-se obsoletas e abandonadas pelo poder público local.
Qual a causa desse bicho de sete cabeças?!

Historicamente, a cultura sempre foi a representação de um povo seguindo as suas tradições crenças, valores e a forma de como este homem via o mundo e tentava compreendê-lo e melhorá-lo. Nem sempre esta mesma arte tinha a obrigação de agradar ou transformar
as pessoas, mas gradativamente o seu poder  foi crescendo e mudando a própria concepção e função da arte na sociedade.

Discorrer sobre a estória da arte  não irá me facilitar na busca de uma explicação para esse impasse com a cultura na nossa terra.

 Iniciativas de incentivo e estímulo a cultura em nossa cidade são cada vez mais raras. Não obstante, que os representantes do povo conquistense, nossos queridos vereadores, aqueles que nós colocamos lá, sequer mencionam cultura em seus projetos ou talvez a confunde com atividades desportivas de entretenimento meramente catárticas. Numa cidade onde a cultura é tão grande e pouco difundida e os centros e distritos rurais cada vez mais populosos fica fácil agradar a gregos e troianos a não ser com camisas para o time de futebol, festinhas do cabo eleitoral, ofertas para as festas de padroeiro.... No entanto, a justificativa mais óbvia é que não se tem verba para cultura, ou seja , é mais fácil tapar a boca do povo com arroz e feijão e mantê-los acomodados, que alimentarem seus sonhos e independência com cultura e arte.

Particularmente, como artista transgressor das normas da sociedade, enfrento também  problemas. Desde 1997 quando num ímpeto de loucura fui fazer teatro em São Paulo com a cara e a coragem. Os dois anos que lá fiquei me valeram 2 prêmios Mambembes e muitos outros em festivais e apresentações no Rio de Janeiro e São Paulo com o espetáculo : “O Assassinato do Anão..” do saudoso Plínio Marcos e dirigido por Marco Antônio Rodrigues. Mas nada é fácil para quem não tem dinheiro e só muita determinação e garra .As dormidas no metrô, a saudade da cidade e dos amigos e as necessidades mil impulsionaram ao êxito e a uma força que não era minha. Volto para Conquista com o propósito de esquentar a cultura e o teatro da cidade e só encontro muita má vontade, burocracia e incompetência de pessoas que se dizem defensoras da cultura e dos valores regionais. Sozinho é muito difícil quebrar uma corrente de interesses que não são comuns a quem quer fazer algo que envolve o consciente coletivo, sonhos e realidade das pessoas. E as dificuldades continuam, não reclamo delas, só acho que quando se levanta uma bandeira tem que honrá-la,  sempre. Ora,  política e arte estão intimamente ligadas. Se o poder público não incentiva ações culturais, o que lhe é de obrigação, o que acontece? Morte súbita da cultura.

O país hoje passa pelo problema do apagão e recentemente a greve dos policiais militares, e a culpa é de quem?! O problema entra na sua casa, domina você e toda sua família ordenado até quantos banhos deve tomar,  e você ainda acha bom e que a culpa é sua?!...
Infelizmente não tenho capital suficiente para custear todos os meus projetos que envolvam toda a comunidade rural, periférica, jovem , adulta, idosa e infantil em todos os setores da cidade. “O artista vai aonde o povo está”, já dizia o poeta mas “um sonho sozinho é apenas um sonho, mas um sonho junto torna-se realidade”, são frases chichês mais eficientes. Onde estão os empresários, instituições e comerciantes conquistenses que acreditam na sua comunidade e no seu crescimento?! Cadê você, Guilherme?!

Agora estou tentando terminar uma faculdade de Teatro em Salvador, ainda trabalho em Conquista, vou e venho toda semana, não tenho sequer nenhum auxílio para passagens. Está difícil continuar contribuindo com meu papel de artista, e cada vez mais difícil é tentar alimentar a cultura e a arte em nossa cidade.

A Prefeitura não mais possui uma Coordenação de Cultura para representar seus artistas locais que muitas vezes são comparados a mendigos, que vivem catando farelos  numa terra onde os hábitos culturais cada vez mais confirmam, que apesar do crescimento óbvio da cidade, estamos ainda numa cidade do interior com hábitos e costumes  limitados.

A população adora ir ao teatro, quando vem algum artista de fora, e  quando vão  não é para ver espetáculo e sim para exibir aquela roupa de grife caríssima e acenar para aquela amiga invejosa mostrando que está no local e é uma pessoa cultural. Cada vez mais o artista local cai no anonimato, a não ser quando aparece na tv fazendo algum trabalho, nesse caso, todos adoram o artista da cidade, aquele que se vê na rua, ralando, correndo para tentar sobreviver numa cidade aculturada e de padrões desconexos. A propósito, eu me pergunto o que os cidadãos do interior fazem no final de semana?!  Dá para tentar imaginar...
 Opção A :   Se divertem num barzinho de esquina exibindo sua calça de grife que pagará em 10 vezes no cartão, cheque ou promissória, e o papo noturno rolando em torno de problemas com o seu novo carro, futebol, mulheres...
Opção B  :    Vão a seu clube preferido comer churrasco, fazer dieta e falar da vida ( alheia)
Opção C  :    Ficam em casa assistindo televisão e reclamando da vida
Opção D  :   Todas as alternativas anteriores
Parece um joguinho de perguntas e respostas mais é a pura verdade. Para haver teatro, segundo Grotowski,  somente é necessário a presença do ator e do público. E o público, onde está?
Poderia está  mais envolvido com a realidade de seu meio através das variadas faces da cultura,  porque cultura não é algo descartável que só serve para  enfeitar, divertir, rir ou chorar. A cultura, o teatro, a dança, a música são instrumentos perspicazes para a transformação das pessoas. Soa falso, mas é a pura verdade e não só eu acredito nela. Brecht, Boal, Paulo Freire, o meu aluno de teatro que vem lá da periferia, a mãe dele que vem trazê-lo todos os dias, a comunidade e todos que acreditem em si e no poder que se  tem para mudar.

O problema é que ser pobre, preto, ou artista nesse país  tropical soa mal  e ninguém aceita suas quimeras quebradas. Lembra-se da fábula da cigarra e a formiga? O artista é comparado à cigarra preguiçosa e cantante enquanto a formiga é a trabalhadeira e previdente da estória.
Talvez eu seja um sonhador medíocre e globalizado, sem dinheiro e não informatizado que ainda crer  no poder da arte e sua transformação.

Não sei até quando Conquista vai desvalorizar seus artistas. Talvez quando não mais tiver quem se orgulhe dela na sua essência. É lamentável, mas já ouço em uníssono a marcha fúnebre do poder público entoando com bocas em “o” o enterro mais esperado do ano, aliás, o segundo mais importante que vai  fazer companhia  ao cinema, que num acidente drástico, foi-se dessa para a pior. Nem os donos da cidade puderam livrá-lo da sua moira e pelo visto os jazigos do teatro, da música e da dança conquistense já foram encomendados com lápides em mármore branco vindas diretamente da Índia. Não é fantástico?
Plim, plim... para você que continua sendo o largatixa da vida e concorda com tudo a seu redor crendo que nunca vai mudar esta realidade estanque e inerte que vivemos. Graças a mim, a você, ao poder público e a todos que ficam inertes com a boca cheia de dentes esperando a morte chegar é que estamos nesse beco sem saída. Aliás, .o artista não pode se envolver, dizem com precisão. Tem que ouvir e aceitar tudo calado, de preferência de quatro, e deixar o mar de lama crescer e afundar a todos .Epa, a todos não!

O país já não tem memória e não importa se mais uma cidade, principalmente da Bahia,  se cala. A Bahia é o estado da alegria, meu rei! Segure o tcham e não dê tapa na cara que o Carnaval já vem aí. Cultura e arte só é bonito quando está em cláusula de discurso demagógico político, ou em festas populares de caráter meramente turístico ou comercial.
Não sou um Bobo da corte  e espero não ser por muito tempo. E não agüento mais ouvir frases óbvias: "Nem só de pão viverá o homem..." "Não temos verbas..." "Vá trabalhar vagabundo.." "Nação burra é mais fácil de dominar..."  "Político é tudo igual..."  "Tudo que tiver de ser, será..."

Ao invés de tomar parte nesse velório, caro leitor, tente resgatar suas raízes e valorizar o que é nosso, pois moramos numa cidade catingueira do interior da Bahia e em vez de comermos estrogonofe e pizza comamos “cortado” de abóbora com farofa de andú e costelas fritas de porco e bebamos arte, não como champagne, mas como água que é necessária, indispensável e vital para nossa existência.


Marcelo Benigno é ator, arte educador, professor de teatro da UESB e estudante de Artes Cênicas da UFBA.

Este artigo foi publicado no ano de 2001 em jornais e revistas de Vitória da Conquista transformando-se num manifesto público na Câmera dos Vereadores reivindicando uma política cultural para a cidade.

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